quarta-feira, 11 de junho de 2008

Meu primeiro MS-DOS

On
Letrinhas leitosas, ágeis e espoletas chovem como estrelas na tela escura.

C:\>dir
Militarmente, cada uma assume seu posto na fila organizada.

C:\>Word Perfect
Um azul maritmo hipnotiza meus olhos infantis. Cada letra já colocou seu uniforme amarelo, que lhe veste perfeito.

F2
Não “procuro” nada especial. Apenas um pouco de diversão após voltar do colégio.

F1
“Cancelo” qualquer outro compromisso e trago um pote de sucrilhos para me acompanhar nessa jornada.

F3
Peço “ajuda” para a criatividade e começo a digitar.

F8
Escrever é sublinhar algumas frases da vida.

F10
Não adianta inventar. Só a espontaneidade “salva”.

F6
Saudades da época em que isso tudo pra mim era brinquedo.

F7
“Exit”

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Minha primeira vez com Isa e Gabriela

Desejo. Luxo. Volúpia. Ruby. Beijo. Carmim. Escarlate. Sedução. Deixa beijar.
Parece placa de motel barato ou título de romance de gosto duvidoso, mas recentemente descobri que tudo isso é nome de... esmalte. E a descoberta foi da forma mais inocente possível, num salão de beleza aqui do bairro.

“Que cor a senhora vai querer?”
“Humm... To pensando em... Pode ser... vermelho. É, vermelho.”
Quanta inocência!
“Tá, mas vermelho qual?”
E os potinhos foram desfilando na minha frente, de tantos tons que eu nem imaginava que coubessem em um só nome de cor.
“Sabe o que é, moça? É que eu não estou muito acostumada. Eu sempre roí unha, usava no máximo um branquinho, nunca pintei de vermelho antes.”
“Aaaaah! Então quer dizer que a senhora vai perder a virgindade???”

Travei. Poxa, já não basta passar por esse constrangimento uma vez na vida? E eu nem sabia o nome da moça, o salão era novo, não tinha dado tempo de perguntar. Já que aquele momento banal havia se transformado em uma ocasião solene eu precisava saber pelo menos o nome da manicure.
“É Isa. E então, escolheu?”

Hesitei e acabei apontando para um vermelho meio rosado.
“É o Gabriela. Muito bonito, as clientes adoram.”

A aprovação dela me tranqüilizou. O lance não foi rápido (com esmalte vermelho é mais difícil limpar os cantinhos, palavras da Isa), mas pelo menos foi indolor. Saí de lá feliz da vida com minha unha escarlate – ou melhor, Gabriela.

Na segunda vez, acabei indo a outro salão – é, eu sei que não deveria ter traído a Isa, mas estava com pressa e nessas horas de correria acabo sendo infiel.
Quando a moça me perguntou que cor eu ia querer, falei, toda sabida:
“Pode passar o Gabriela”
“O GabrieLA ou o GabrieLLE?”
Peraí, com essa eu não contava.
“Ih, agora não sei. É um que é vermelho.”
“Os dois são, moça.”

Acho que ela viu minha cara de desespero e me mostrou os dois potes rapidinho. Ufa, consegui reconhecer. É o Gabriela mesmo. Que, aliás, ultimamente eu quase não tenho passado. Tenho preferido o Tomate ou o Beijo, mais chamativos (arregalados, como diz a Lu, minha nova manicure).

Mas tudo tem seu começo. Como essa minha primeira vez.

domingo, 1 de junho de 2008

Arroz com feijão

Ele cozinha. Sei que isso pode não parecer grande coisa atualmente, quando tantos homens também o fazem. Aliás, homem que cozinha é um exemplar que está totalmente in. Todo moço moderninho que se preze sabe cozinhar. Eles podem ser encontrados aos montes nos cursos livres de culinária – outra coisa tão de moda quanto homem que cozinha.

E não estou falando do churrasco, único reduto culinário reservado à geração dos nossos pais e tios – e que, no fim, acabava dando mais trabalho é para as mães e tias mesmo, que tinham que fazer o arroz, a farofa, o vinagrete, a sobremesa... O homem atual gosta é de preparar pratos sofisticados: steak ao poivre, risoto de aspargos com brie, espaguete com vôngole e por aí vai. Tudo, claro, com a ajuda de seu megafogão de inox e dos mais turbinados utensílios de silicone.

Em geral, o que esse homem quer é impressionar o sexo oposto. Afinal, qual mulher moderna e boa de garfo resiste a um homem que cozinha? Como muitos deles fizeram também um minicurso com um enólogo, aproveitam para terminar de impressionar a pretendente desfilando seus conhecimentos sobre o vinho que é servido junto com o risoto (um dos pratos preferidos do homem que cozinha, aliás).

A estratégia de conquista é tão bem sucedida que houve inclusive quem terceirizasse o serviço. Lembro-me de um texto de um crítico de gastronomia contando que já preparou inúmeros jantares românticos para amigos que queriam impressionar as garotas fingindo ter cozinhado para elas – na hora H, ele deixava tudo pronto e saía de fininho. Isso, claro, acontecia na época em que não existiam os cursos livres de culinária.

Mas este texto é sobre o meu homem, e ele é diferente. Ele aprendeu a cozinhar quase sem querer, por necessidade e, sem fazer alarde, foi levando jeito para a coisa. Apesar de gostar de comer pratos sofisticados em restaurantes, ele quase não os prepara: faz, sim, um arroz delicioso, soltinho, com a consistência perfeita e um toque de caldo de legumes que faz toda a diferença; um bife à milanesa sequinho e crocante; um estrogonofe igual ao de mãe. Seu purê de mandioquinha, então, é de comer rezando. Até a singela salada verde fica deliciosa com as folhas picadinhas e o molho certo.

Ele faz tudo isso em um fogão simples e de quatro bocas. Em vez de luvas de silicone, usa o pano de prato dobrado para tirar as coisas do forno. Ele também não cozinha só à noite ou nos fins de semana, em jantares românticos: faz almoço mesmo, quase todo dia, às vezes só para ele, às vezes para nós dois. Eu o ajudo e vez por outra tomo a dianteira. Mas, por mais que me esforce, não tenho o mesmo tino, a sensibilidade para dosar a quantidade de tempero, para saber a hora de tirar a panela, de parar de mexer ou de abaixar o fogo. Coisa de quem tem talento. Como o meu homem.

Ele não se gaba disso e tenho minhas dúvidas até se ele sabe que leva esse jeito todo para a coisa. Ele simplesmente cozinha: arroz, feijão, bife, batata, abobrinha refogada. E eu acho lindo.

sábado, 31 de maio de 2008

Estréia

Ok, eu reconheço que estava especialmente provocante. Mas, em minha defesa, tenho a dizer que não estou acostumada a esse tipo de cantada. Naqueles termos, foi, de fato, a primeira vez.

Talvez por isso (“a gente nunca esquece”), essa situação tenha sido decisiva para a criação deste blog: afinal, como eu escrevi na mensagem de apresentação aí ao lado, não é de hoje que venho imaginando textos. Às vezes eu penso num tema, noutras na primeira frase: já teve vez de saírem parágrafos inteirinhos. É claro que, com a memória antielefântica que tenho, pouca coisa dessas idéias passadas vai se salvar. Mas sempre há tempo de resgatar as que estão por vir. Como esta que me ocorreu hoje, que vou retomar antes que me escape.

Eu ia para o trabalho. Tinha pressa. Havia dado uma passadinha no salão para fazer a mão: saí com as unhas Tomate, cor muito em moda, de um vermelho-alaranjado bem chamativo. Andava com as mãos em posição de esmalte-secando - reação instintiva que, descobri, deve estar na carga genética feminina. Sim, porque eu roía unhas desde que me entendo por gente. Até o sabugo. Parei há apenas quatro meses. E minha mãe rói as dela até hoje. Ou seja, ninguém me ensinou isso e, no entanto, lá estava eu, naturalmente, com as mãos em posição de esmalte-secando.

Ele estava em grupo, o que costuma tornar esse tipo de abordagem ainda mais feroz -será o efeito do acúmulo de testosterona, ou o encorajamento que a presença de outros machos traz?
Ele olhou para mim com olhos desejosos. Sentindo o perigo iminente, abaixei o rosto e desviei o olhar, como tentando desencorajá-lo a dizer algo constrangedor. Não adiantou: enquanto eu passava, ele virou a cabeça em minha direção, mirou o amigo com olhar cúmplice, voltou a olhar para mim, abriu a boca e começou:

“Noooossa!...”

O tom de voz era lascivo. Eu me encolhi. A rua estava cheia de gente. Já imaginei o horror: ter que caminhar pelo menos dez longos passos convivendo com senhoras, executivos e mães e família que haviam testemunhado a humilhação que é ser chamada de gostosa ou de coisa muito pior em público. Toda mulher que já passou em frente a uma obra sabe do que eu estou falando.

Mas o que veio a seguir me desestabilizou. Tanto que eu não consegui deixar de dar um sorriso depois de ouvir o que ele disse. E não me entendam mal, eu não estava retribuindo nada. É que por essa eu realmente não esperava.

“... mas que mão bonita, moça!”

Nunca imaginei que um esmalte vermelho pudesse ter esse poder.